• Psicose

     

    Pode-se afirmar que a psicose é uma disposição patológica de alto grau, onde o ego escapa da idéia incompatível, ligada inseparavelmente a um fragmento da realidade. O afastamento da idéia incompatível proporciona conseqüentemente, um afastamento da realidade. Os efeitos desse afastamento podem ser percebidos a partir do surgimento de alucinações e confusão mental.

    A Psicanálise foi fundada a partir do estudo da neurose, sendo assim:

    “a neurose é o resultado de um conflito entre o ego

    e o id, ao passo que a psicose é o desfecho análogo de

    um distúrbio semelhante nas relações entre o ego e o

    mundo externo”. (Freud,1923/1925, pág 189)

     

    Como na psicose, existe um conflito entre o ego e o mundo externo. O sujeito a partir de então cria uma nova realidade e essa nova realidade é construída de acordo com os impulsos desejosos do id.

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    Lacan postula três tempos na psicose, no primeiro há a perda da realidade, perda essa que apresenta a radicalidade de um repúdio, de uma foraclusão. O segundo tempo comporta o caráter de uma reparação, como na neurose e, nesse sentido, o delírio e a alucinação ocupam o lugar da fissura na relação do eu com o mundo.

    Segundo o Laplanche, o termo foraclusão é definido como: “Mecanismo específico que estaria na origem do fato psicótico; consistiria numa rejeição primordial de um “significante” fundamental para fora do universo simbólico do sujeito”. (Laplanche e Pontalis, 982, pág 94)

    Para Freud, o ponto central de sua observação é que em ambas as estruturas (neurose e psicose) o mais importante não é a questão relativa à perda da realidade, mas sim os substitutos encontrados. Na neurose, o substituto encontrado ocorre via mundo da fantasia; já na psicose, os substitutos são delírio e alucinação.

    Pode se afirmar que o psicótico é habitado pela linguagem, ou seja, ele é falado pelo Outro. Em relação à linguagem, ele não é submetido às mesmas leis que o neurótico, apesar de fazer uso dela.

    Retomando Freud sobre a importância do Édipo na constituição do sujeito, num primeiro tempo a criança mantém com a mãe uma relação de indistinção, reforçada pelos cuidados e pelas necessidades da criança, que se coloca na posição de objeto complementar da mãe, objeto falo, objeto de desejo da mãe.

    Num segundo tempo consiste na relativização dessa completude, ser ou não o falo da mãe. Surge a figura do pai, que intercede na relação da criança com a mãe na forma de privação. A criança se depara com a lei do pai e, com essa descoberta, a criança significa o desejo da mãe como submetido à lei do Outro, o que implica que seu próprio desejo depende de um desejo do Outro. Com isso, a criança pode finalmente chegar a alcançar a diferenciação, ou seja, a separação, que seria o terceiro tempo.

    Para Lacan, o sujeito entra no mundo simbólico a partir do Édipo e a função paterna apresenta-se como metáfora, por ser esta simbólica. Logo, o Nome-do-pai entra no lugar do falo na relação de objeto da mãe. É pelo Nome-do-pai que a criança poderá nomear o objeto fundamental do seu desejo. Seu processo de produção é passível de falha, o que gera a não-estruturação ou sua foraclusão, produzindo uma desestruturação imaginária, origem da psicose.

    A foraclusão do significante do Nome do Pai é, na concepção lacaniana, o mecanismo psíquico responsável pela instalação da psicose. A ausência da metáfora paterna e abolição da lei simbólica intermediada pelo Nome do Pai mantêm o sujeito à margem da castração e sem acesso ao significante fálico e, assim, incapaz de situar-se em relação ao próprio sexo. A não-inscrição desse significante primordial na cadeia de significantes impede a entrada do sujeito na linguagem, com seus distúrbios conseqüentes e alucinações, marcas das psicoses. Mas a doença só se manifesta, a partir da pré-psicose mediada pela foraclusão do Nome do Pai, na presença de um pai real, que evidencia para o sujeito o buraco no registro simbólico. Até esse momento de ruptura, o sujeito supre essa falta do significante primordial funcionando no registro imaginário e tomando o outro como espelho e modelo de identificação imediata.

    Na psicose, em função da inoperância do significante Nome-do-pai, que serve para amarrar o registro simbólico, o sujeito permanece submerso no desejo do Outro não barrado; portanto o Outro figura como uma grande ameaça, com poder de invasão. Logo, o psicótico fica submetido ao gozo do Outro. É nessa falha, no registro simbólico, que permite a aparição do real sob a forma de alucinações e delírios.

    Na psicose, há uma dificuldade em efetivar a operação de separação. Não existe eu e outro. O Outro, na psicose, é muito presente e muito, influente. Por isso, o Outro comumente é visto e sentido como ameaçador. A teoria lacaniana apresenta a psicose como um sujeito não-assumido, uma recusa ao acesso simbólico.

    Esse movimento apresenta um ganho e uma perda. É fundamental que o sujeito seja objeto do desejo do Outro, mas também deve desejar entrar na linguagem. E entrar na linguagem inclui deparar-se com a castração. A psicose consiste justamente em uma falha nessa operação.

    Há que se considerar a intensa angústia vivida pelo psicótico conseqüente à sua percepção de isolamento e incompreensão por parte dos que o cercam. Se o neurótico busca suprir sua insatisfação desviando sua libido do mundo externo para as fantasias e os sintomas, para o psicótico não há fantasia disponível para redirecionar sua libido, há apenas um corpo auto-erótico fragmentado e despedaçado.

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